Terça-feira de Blackout, um dia promovido por ativistas para observar, lamentar e provocar mudanças políticas após a morte de George Floyd. Esse movimento se espalhou nas mídias sociais, onde organizações, marcas e indivíduos estão, há uma semana, postando mensagens com fundos pretos fortes, às vezes marcando as postagens com #BlackLivesMatter.
No meio dos debates intensos estão as marcas. Elas tiveram que responder à pressão social de uma forma nunca antes vista (pelo menos não antes do 2020, coronavírus). Na maioria dos casos não foram além de um post com o uso incorreto de #hashtags, que podemos comparar aos posicionamentos políticos em relação à morte de pessoas públicas: desejam quase que por obrigação “meu pesar e força para a família” com medo de retaliações. Nike, Netflix, Intel, Disney e tantas outras emitiram declarações pedindo o fim da violência com pessoas negras ou doaram dinheiro para grupos que representam essa causa.
O movimento em apoio às manifestações antirracistas, que mobilizou o público online, fez com que as marcas reavaliassem suas estratégias de comunicação. Porém, sejamos inteligentes. Esta não é uma oportunidade de marketing a ser aproveitada, e não recomendo que as marcas se conectem a uma causa de forma oportunista em um momento de emergência. No entanto, silenciar não é opção e apresenta um risco de imagem.
É necessário ser rápido, mas também ter muita clareza sobre qual a ação será tomada. Quando você afirma que apoia uma comunidade, é necessário praticar, seja com ações e recursos, principalmente com o público interno, seja com anúncio de mudanças de políticas em relação à causa. De qualquer forma, a questão racial não deveria ser opcional. Como sempre falamos, nesse momento, cabe apoiar mais de uma causa.
Quando se trata de um posicionamento de marca, é necessário ter coerência com o que a marca é, a forma que ela age (com colaboradores a clientes) e, claro, o jeito como ela se comunica.
Quem agiu rápido?
Enquanto algumas respostas foram bem recebidas, outras falharam muito por parecerem hipócritas ou oportunistas. O YouTube twittou que estaria comprometendo US$ 1 milhão ao Center for Policing Equity. A Glossier, marca de beleza, publicou um post no Instagram dizendo que daria US$ 1 milhão para organizações que combatem a injustiça racial e doações a empresas de beleza de propriedade de negros. A Walt Disney Company prometeu doar US$ 5 milhões para organizações que visam promover a justiça social e a equidade racial. Algumas marcas escolheram o impacto emocional: a rede ViacomCBS exibiu oito minutos e 46 segundos de sons respiratórios para lembrar a respiração de Floyd.
A Nike lançou um vídeo intitulado “Pela primeira vez, não faça”, pedindo que não “finjam que não há problema na América”. Como devolutiva, a empresa recebeu críticas sobre a falta de diversidade racial da empresa em sua equipe de liderança executiva. Prontamente, respondeu compartilhando os nomes de alguns executivos negros que lideram marcas ou fazem parte de sua equipe de liderança. Analisando apenas o ponto de vista de comunicação, foi uma resposta rápida e acertada. De alguma forma, construíram alguma equidade ao dizer que essa questão é importantes para eles e que essa comunidade é importante para eles. Como adendo, conseguiu que a concorrente Adidas se unisse a eles assinando embaixo o manifesto da Nike. Aqui, mesmo tratando-se de empresas incríveis na publicidade, a causa mostrou-se foi maior do que o marketing.
Quem foi rápido, mas não estava preparado?
A Amazon twittou sua solidariedade com a comunidade negra. Porém, atraiu críticas nas mídias sociais daqueles que observaram que a empresa havia demitido pessoas que protestaram contra o tratamento de funcionários durante a pandemia de coronavírus, além de críticas sobre uma tecnologia de reconhecimento fácil para policiais. No Brasil, está sendo pressionada a parar de vender livros de uma influenciadora que fez posts racistas em suas páginas nas redes sociais. Ou seja, temos clareza de que o discurso precisa estar alinhado às ações ou a marca será cobrada.
O Instagram Brasil também está sendo cobrado, via Twitter, que mude sua política de denúncias. A marca foi rápida ao mudar sua logomarca para a cor que representa a campanha, mas não anunciou nenhuma ação eficiente para combater o preconceito. Isso mostra que você pode escrever o que quiser como marca, mas deve estar pronto para sugestões que possam melhorar a sua marca com aquela comunidade. Parece que, até o fechamento deste texto, o Instagram aceitou as denúncias contra a influenciadora citada e fechou a página dela. Em nota, assessoria da influenciadora alega que ela quem tomou a decisão.
Reconhecimento
Quando a marca não tem uma política clara para a causa, reconhecer a falha é extraordinariamente importante. Uma iniciativa que, do ponto de vista de comunicação, costuma ser eficiente – já que não era hora de se calar – foi a que teve a @Amaro. No texto, reconhece que não faz suficiente pelo movimento e apresenta soluções para mudar, como uma assessoria especializada para rever o processo seletivo, como entrar em contato com alguns coletivos focados na comunidade negra focados em recrutar talentos. Os comentários do post batem muito na marca, mas é um ato de coragem expor uma falha, ainda mais para uma marca que, apensar se grande e muito admirada, está em fase de amadurecimento. A resposta da Amaro terá que vir com ações efetivas. Se isso acontecer, fidelizará o consumidor.
Após ser questionada nas redes sociais por colocar jornalistas brancos para tratar pautas sobre racismo, a @GloboNews escolheu para compor o programa Em Pauta na quarta-feira (3) apenas profissionais negros. Com a apresentação de Heraldo Pereira e a participação das jornalistas Zileide Silva, Flávia Oliveira, Maju Coutinho, Aline Midlej e Lilian Ribeiro a edição abordou pautas pessoas e apontamentos sobre o racismo na sociedade. A resposta e a autocrítica da emissora renderam comentários em tom positivo nas redes sociais nesta quarta. A postagem mais compartilhada no dia anterior foi exibida terme, inclusive, utilizada na chamada do programa.
Outra marca que ganhou muito destaque com ação foi a LEGO, que no começo da semana enviou um comunicado a parceiros do campo da publicidade pedindo a remoção temporária de mais de 30 conjuntos da marca das listagens de produtos divulgados, todos eles com representação da polícia, desde minifigures de oficiais até itens como algemas, prédios e veículos. Entre os 32 produtos listados, a construção “para adultos” da Casa Branca – possivelmente barrada em vista de todos os comentários recentes feitos pelo presidente estadunidense Donald Trump. Embora retirados de circulação midiática, nenhum dos produtos parou de ser vendido na página oficial da LEGO, o que pode gerar críticas sobre a ação ser ou não legítima. Para saber mais sobre este caso, acesse toybook.
Não pode haver golpe publicitário…
O histórico de uma marca com um problema é importante. Antes de postar, é necessário é muito importante que as marcas pensem primeiro “eu construí um patrimônio com essa comunidade?”
Também no Brasil, destaco a rápida ação da @Natura, que fez um post antes mesmo do dia “D”. A empresa tem uma política muito eficiente e é uma das pioneiras no apoio ao movimento negro e igualdade racial, e tem esses assuntos como questões centrais da comunicação da companhia. Com tanto domínio sobre o assunto, é uma marca que pode postar de forma mais segura e com mais liberdade, pois domina a causa. Nota-se que a mensagem escolhida para a campanha foi apoiada pela consultoria formada por colaboradores para questões raciais. Não é marketing, é conhecimento de causa.
… nem para os influenciadores.
Impossível escrever um texto sobre uma campanha tão forte nas redes sociais sem citar os influenciadores digitais. Após o brutal assassinato de George Floyd, atletas negros de todo o mundo foram as redes sociais protestar. Nomes como LeBron James, Lewis Hamilton, Kylian Mbappé, Serena Williams, Coco Gauff e até Michael Jordan, conhecido por sua omissão política, condenaram o assassinato. Quem tem Twitter (segue a linha aqui!) acompanhou a cobrança do Felipe Neto, que pediu um posicionamento ao Neymar. Nesse caso, vimos manifestações dos dois lados: apoiadores do Felipe, dizendo que o papel dele é sim cobrar outros influenciadores, e manifestação contra, de quem entender que um branco jamais deveria cobrar de um negro um posicionamento. Entender seu lugar de fala é o caminho para não errar o tom.
Esse parece ter sido o caminho do Paulo Gustavo, que cedeu sua página para Djamila Ribeiro. Seguiram este caminho também Bruno Gagliasso e Astrid Fontenelle. Esse poderia ter sido a escolha de algumas marcas: se você não domina uma causa, convide alguém para te ajudar nessa construção. Mesmo tendo recebido algumas críticas sobre a iniciativa, aqui fica uma constatação: quando falamos de impacto social, nunca teremos 100% de aprovação. Sempre vão achar que você poderia ter feito mais, que você deveria ter feito diferente e que você está sendo injusto com alguém. Porém, entendemos que a maturidade já ensinou para a gente que está tudo bem receber críticas, certo?
Quem quiser entender mais sobre o posicionamento dos influenciadores, deve ler essa sequência da Tiê, que mapeou nomes que parecem apenas ter aproveitado do momento para promover uma causa que não é eles. Para as marcas, vale consultar nomes antes de associar-se a eles. Para nós, agência, temos responsabilidade de sempre trazer aos clientes uma análise mais aprofundada dos nomes que sugerimos e colocamos nos nossos mailings.
Falar de causa em 2020
Em 2020, ano com tantas aulas sobre posicionamento de impacto social, fica redundante dizer que as empresas não devem fazer um golpe publicitário de tiro único e nem agir de forma instintiva. Devemos sempre ter um olhar mais profundo sobre a pauta que está em questão. Entendemos que não é possível abraçar todas as causas e que as marcas devem escolher a que faz mais sentido para elas, o que mais agrega valor. Todas as causas são importantes, mas parece que ter apenas uma iniciativa não seja mais tão suficiente. As marcas não precisam ter respostas e apoio para tudo, e nem ter tudo planejado, mas precisam entender que sempre é um momento para aprender e seguir – melhor – lá na frente.
Para quem ainda não definiu ou não encontrou caminhos para tornar-se uma pessoa ou marca melhor, ouça sempre antes de fazer. Pergunte o que é necessário. Comece com o seu público interno, faça com que os colaboradores se sintam à vontade e conscientes com as causas apoiadas. Escute as demandas da sociedade. Entenda que ninguém é obrigado a se posicionar nas redes sociais, pois posicionamento não é algo que você consegue fazer com uma imagem impactante e usando a # do momento no Instagram. Posicionamento é o que você faz sempre, principalmente quando ninguém está observando.